quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

vodka em carne viva

No balcão de um bar em algum mês de outubro...


- Garçom, suspende a vodka.
- O que.. o que você fez no cabelo?
- Cala a boca, vamos pra casa.
- O que aconteceu?
- Cala a boca Eduardo, vamos pra casa.
- Mas...
- AGORA!

Dias maravilhosos, noites difíceis. Quem disse que casar se resumia ao 'felizes para sempre' se esqueceu do pequeno detalhe de que a vida não se limitava até ali. Havia também o resto dos dias.
De quando o bolo confeitado acaba, a lua de mel fica gravada apenas em meras fotos, antes espalhadas pela casa nova e agora se mudavam para um álbum muito bem guardado em prateleiras altas.
Casamento e amor não são sinônimos. Por que todos não aprendemos isso desde cedo? Evitaria tanta mágoa desnecessária.
Ele se sentia sufocado. Ela se sentia em carne viva.
Sede e fome de viver, na angústia de admitir a si mesmos que não poderiam mais saciar tal fome um com o outro. Ele chegava exausto do trabalho, sem ânimo para academia, videogame ou mesmo uma noitada com a esposa . Suas únicas alegrias eram os sábados à noite no boteco da esquina e nos domingos à tarde, hora daquela velha pelada com os amigos.
Ela no início achava lindo tudo que ele fazia. Sua paixão pelo time de futebol, sua maneira de brincar com as pessoas, a cara que fazia ao fumar. Tudo nele era encantador, no tempo da escola e no tempo da faculdade. Antes. Tudo antes. Agora esses mesmos detalhes eram os motivos das brigas. Ele nunca mais fora o mesmo.
Ela também já foi uma musa para ele num passado não tão distante. Bonita, educada, sincera, delicada, a típica boa moça. Não era o tipo de mulher que parava o trânsito, mas até que dava pra andar de mãos dadas no shopping. Para Eduardo, Maria tinha um 'ESSA É PRA CASAR' tatuado na testa. Falava baixo, tratava a todos de maneira sutil, cozinhava como ninguém. Além do mais, era obediente, sensata, procurava fazer tudo do jeito que ele gostava pra evitar transtornos. Se apaixonaram aos dezesseis anos. Foram os primeiros um do outro. Terminaram algumas vezes, em crises momentâneas na faculdade, envolveram-se com outras pessoas, mas não se acostumavam a um ritmo diferente. Se completavam um com o outro.

Um dia, Maria parou pra perguntar a si mesma se aquilo era amor ou comodismo. Se era preguiça de caçar novos amores, falta de vontade em voltar a flertar e se apaixonar novamente. Mas suas dúvidas incessantes sempre se encerravam ao ver o sorriso do marido. Preferia vê-lo feliz, levar a vida como estava, afinal, não era tão ruim assim. Seu casamento duraria para sempre.

E lá estavam eles, dois anos de casados, cerca de oito anos juntos, praticamente uma vida. Uma vida de viagens, fotos, risadas e choros compartilhados. Companheirismo não faltava, agora o que passou a faltar com o tempo mesmo foi a paixão. O gosto de quero mais. Aquilo ali morrera há muito tempo, sem aviso prévio para preparar o enterro.

Maria perdeu a leveza, tornou-se um tanto ranzinza com as responsabilidades. Reclamava da casa, falava demais da vida dos outros e não era mais tão vaidosa. Era até chorona em excesso, coisa que ele achava bonitinho na época que namoravam, mas naquela altura do campeonato já se tornara insuportável. Definitivamente, ela não dava mais tesão diariamente.
Eduardo então, que desastre! Ostentava um projeto de barriga de chopp e um cavanhaque ridículo que ele nega ter sido inspirado em um rapper latino. Como era grosso quando estava perto dos amigos, nem olhava pra ela! Fumava demais, bebia demais e fazia amor de menos.

Em algum outubro perdido nos anos 2000, Maria se viu chorando sozinha em mais uma noite de sábado, após sua sessão de filmes de romance, se perguntando o porquê de seu casamento ser aquele fiasco.
Na falta do que fazer e seguindo uma estranha intuição feminina, mexeu  nas coisas do marido, coisa que nunca havia feito antes, e encontrou um comprovante dp cartão de crédito usado no motel com a data  do aniversário do cretino, justamente o dia em que viajou usando a desculpa de promover umas vendas imperdíveis. Naquela noite, ela, a otária do ano, sem  motivos para desconfiar, ficou triste e online, esperando o marido entrar no msn diretamente de Anápolis, já que ele prometera usar a internet do hotel antes de dormir. Ela virou a noite esperando, usando seu melhor vestido e com o bolo que fez com tanto carinho ao seu lado, para mostrar a ele pela web cam. E no outro dia, quando ele chegou, fez uma festinha com todos seus amigos em casa. Deu o relógio que ele era louco pra comprar e não comprava por achar caro demais.

E dois meses depois lá estava Maria, com aquele comprovante nas mãos, incrédula, sem saber se era tudo um engano ou se sua vida amorosa desmoronara realmente ali. Respirou fundo, contou até dez, até vinte, mas o desespero lhe tomou conta completamente. Uma fúria inexplicável. Como aquele filho da puta tivera coragem de fazer isso com ela, sem ao menos ter o cuidado de esconder? Remexeu tudo que encontrava, bolsos, carteira, gaveta do criado mudo do escritório, até lembrar do notebook e adivinhar que a senha seria o nome de seu time. Óbvio demais para seu inteligência limitada.
Era tão burro que nem apagava os registros de conversa do msn. Flertava com praticamente todas as colegas da empresa, com todas as vagabundas que Maria recebeu tão bem na festinha surpresa há dois meses. Não foi difícil descobrir que a garota do motel era Pâmela, a estagiária. Pelo tom das conversas, já se viam escondido há muito tempo. Os registros não negam, estavam se encontrando há nove meses. Nos almoços, nos happy hours, e em muitos sábados e domingos. Ela até enviava fotos de calcinha pra ele. Maria não sabia se lia mais ou se queimava o computador. Estava enojada com as conversas tão íntimas, porém compenetrada na curiosidade. Não conseguia parar de ler, por mais que machucasse.
Se Eduardo chegasse em casa naquele momento, ela não moveria nem um pé da cama. Estava estática diante daquela humilhante descoberta. E já que era pra saber, que soubesse de tudo de uma vez.
A tal da Pâmela era quase da idade deles, estava se formando e Eduardo no início se oferecera para ajudá-la no escritório de markentig em que trabalhavam. Aos poucos, foi dando em cima dela, que cedeu sem pestanejar. As conversas não mentem. Marcaram o primeiro encontro numa chopperia cara no centro. Maria descobriu que o marido enchia a amante de mimos. Ela sempre agradecia nos e-mais pelos anéis, vestidos, até sapatos. Sentiu nojo da tal Pâmela, que vontade de arrancar cada pena daquela galinha!Ao menos ela teve a dignidade de não ir à festinha de aniversário, pois senão Maria sairia dali agora mesmo em busca da maldita.
Pelas fotos, notava-se que não era bonita nem feia, mas com a maior cara de vadia. Cabelo preto na cintura, marcas de biquini pelo corpo bem bronzeado, unhas enormes e sempre pintadas no estilo 'francesinha'. Lembrava mais uma atriz de filme pornô caseiro.

Maria nunca conseguiria explicar o que sentia naquele instante. Recordou-se com raiva do fato de Eduardo a proibir de deixar o cabelo crescer, dizia que achava mulheres de cabelo grande vulgares, e que cabelos curtos eram mais charmosos e bonitos. E lá estava ele, comendo um clone mal feito da Pocahontas!

Pensou em ligar pra ele, pra mãe, pra melhor amiga. Passaram-se um milhão de pensamentos de todos os níveis. O que ela não conseguia entender era a partir de que momento tudo começou a ficar assim...
Seria culpa dela? Dele? Da falta de sexo? Das estrias?

Por tantas noites adormecia sozinha, deixando-o se divertir no bar para distrair, evitando ao máximo reclamar que se sentia carente para não se tornar chata, e ele recompensou aqueles oito anos de dedicação daquela forma, dormindo com outra e a deixando de lado. E ela jamais desconfiou... como foi burra!

Num impulso incontrolável, correu ao banheiro e se olhou no espelho com uma tesoura na mão. Cara inchada, bochechas rosadas, camisola ultrapassada e a sensação de estar vazia por dentro. Começou a picotar a franja, e subir a tesoura pelos fios de cabelo, como uma terapia não recomendada. Sentiu-se melhor, mesmo com as lágrimas ainda caindo ao rosto.
Lembrou-se do dia em que brigaram por ela ter pensado em tingir o cabelo de preto, e que mais uma vez abriu mão do que quis por ele, e puxou a tinta que ainda hibernava na gaveta da pia. Pintou sozinha, usando as luvas que acompanhavam a embalagem, sem pincel nem nada. E sentia-se ótima, com gotas pretas pelo chão gelado e a impressão de ser finalmente dona de seu nariz, mesmo diante da triste circunstância.

Tomou uma ducha quente pra retirar a tinta, enquanto o som no último volume chorava um 'Every breath you take', do The Police, e se imaginando em um filme cuja protagonista era si mesma, sentiu-se na obrigação de mudar de vida. Olhou para o balcão em frente ao chuveiro, lotado de produtos de beleza que ela comprava e deixava de lado. Usou todos de uma vez. Demaquilante, esfoliante, sabonete líquido, redutor de celulite, óleo de massagem, creme depilatório... tudo. Parecia uma bolha colorida ambulante, cheirando a melancia com manga e se olhando no espelho como uma criança feliz. Ao terminar o banho, sacudiu os agora cabelos pretos e repicados, e usando a nova melhor amiga (a tesoura), cortou pela metade todas as suas saias.
Vestiu a blusa mais decotada que tinha, e com a ajuda de um belo cinto preto, parecia estar dentro de um espartilho.
Colocou a saia, seu salto mais alto, se maquiou como se fosse a dona de um bordel e com toda a calma do mundo, tirou peça a peça de seu maridinho do guarda-roupa. Fez uma pilha que ocupava metade do quarto, e buscou na garagem as tintas que ele comprou para a decoração que começariam no ano novo.

- Ano novo é o caralho. Eu quero vida nova! -profetizou Maria, enquanto jogava com prazer todas as latas coloridas de tinta fresca nas roupas do marido.
Cada peça comprada em prestações nas boutiques que ele tanto adorava se exibir...cada gravata, terno alinhado e bem passados com amaciantes recomendados pela mamãe dele. Tudo que Maria zelava com todo cuidado para agradá-lo.

Não era nem meia-noite e ela queria muito mais. Sentia-se revigorada, poderosa, dona de si. Não era vingança, não era cobrança. Era necessidade.
Pegou o carro e foi até a esquina, e lá estava Eduardo encostado no balcão com aquele olhar de peixe morto. Não estava com Pâmela naquela noite.
Maria entrou no boteco com todo o rebolado que esquecia de usar, e diante do queixo caído do marido (que segundo atrás pedira uma dose de vodka) iniciara o diálogo citado no primeiro parágrafo.

Sem responder a nenhuma das perguntas de Eduardo, entrou no carro e o levou até a saída da cidade, com o cd do Marilyn Manson em som ensurdecedor demais para escutá-lo. Cada vez que ele tentava abaixar para perguntar algo, ela aumentava e o olhava com fúria. Como todo adúltero, Eduardo entrou em desespero com a atitude esquisitíssima da parceira e rezava baixo, pedindo a Deus que ela não tivesse descoberto seu caso. Pâmela não era coisa séria, era apenas uma distração em meio à uma vidinha tão monótona. Ele se apaixonara no início, coisa normal, todo homem casado se encanta com alguma solteira carente em determinado ponto da vida. Nunca imaginou que a esposa, sempre tão certinha e boba, fosse desconfiar. E foi levando as coisas, sem cobranças de nenhum lado, levando um pouco de aventura àquela vida tão pacata.

Sem nenhuma dificuldade, Maria conseguiu estacionar o carro num pequeno morro que mais lembrava um penhasco, já na divisa entre Brasília e Goiás. Olhou para a figura ao seu lado, o homem que dedicou oito anos de sua vida, e que mais parecia um menino mijão, tamanho o medo que se destacava nos olhos.
Desligou o motor e se virou para ele, olhando-o com nojo, inacreditada por estar naquela situação.
Ele tentava pronunciar algo, mas a gaguice não permitia. Ela fez sinal para ele ficar calado. Com voz firme, começou:
- Sabe Edu, tudo que eu quis era que tivesse dado certo.
Ele ameaçou interrompê-la, mas o olhar de psicopata que lançou sobre ele resolveu o caso. Então respirou fundo e continuou:
- Você foi meu primeiro namorado, meu primeiro amor, minha primeira foda, meu primeiro marido. Nunca esperei que tivesse sido tão filho da puta comigo, comendo a primeira vagabunda que caiu no seu papinho. Juro por Deus que hoje eu pensei em me matar. Pensei em te matar. Pensei em muita coisa feia. Até agora, te confesso, estou em choque, não sei se rio ou choro. E por favor, não me explique droga nenhuma. Não quero saber de desculpas, de perdão, nem de nada que pessoas fracas como você usam pra justificar as merdas que fazem. Tentação todos nós nos deparamos a vida inteira. Não tem como fechar os olhos porque elas estão lá, se oferecendo, o tempo todo. Mas elas não existem para ser ignoradas, elas podem ser recusadas. E você não foi forte o suficiente pra isso. Você acha que eu também não estava de saco cheio desse casamento? Você pensa que eu acho bonito você brochar comigo? Que acho lindo as suas manias? O jeito que você me trata como empregada quando seus amigos vão lá pra casa? Você acha que eu gosto de viajar contigo, mendigando o hotel mais barato e controlando até o que eu ganho? Você acha que eu sinto tesão por essa figura aí que você se tornou? NÃO, MAS EU NÃO TE TRAI, CARALHO.
Eu não te trai quando a gente namorava, não te trai na faculdade, e nem uma vezinha depois do casamento. Eu te respeitei porra! Mesmo você não merecendo, mesmo chegando em casa tarde quando eu já tinha ido pra cama, mesmo quando eu fico doente e tenho que limpar a casa porque você não tem consideração de contratar uma diarista, eu te aguentei..
Maria segurou ao máximo suas lágrimas, enquanto um Eduardo a olhava estupefato, surpreso e envergonhado, com os olhos marejados e desencorajado de dizer uma só palavra.
Ela o olhou fixamente e continuou, demonstrando mais dureza:
-Mas eu tenho que te agradecer, Eduardo. Sim, agradecer. Porque se você não tivesse feito isso, eu nunca teria coragem de me separar de você. Ia passar o resto da vida sendo uma completa idiota. Vai doer, eu vou chorar, nunca vou entender seus motivos, mas eu sou uma nova mulher a partir de agora. Eu quero que você NUNCA mais dirija uma palavra a mim. Quero que você desça desse carro, que o meu pai me deu de presente de casamento, e se vire pra voltar. E providencie sua mudança imediata, porque quando chegar em casa suas coisas estarão do lado de fora. Não se preocupe que eu não quero nada que é seu. A casa é minha, o carro é meu, e muitos dos móveis que estão lá também. A partir de agora você é apenas uma lembrança na minha vida. Uma lembrança bege, uma cor que não fede e nem cheira. Você é a parte viva que me faz lembrar o quanto eu estive morta. E nada mais.

Ao perceber que Maria finalizara o discurso, Eduardo não aguentou a pressão e desatou a chorar, sem comover a esposa. Tentou implorar, mas não deu em nada. Teve que ser tirado do carro por ela, e ficou abandonado na estrada, de joelhos e chorando como um pecador diante da cruz. Por um milésimo de segundos, sua esperança acendeu-se. Maria deu ré com o carro e voltou. Da janela, voou uma nota de dez reais e um cartão de orelhão, e a voz longe da esposa confundindo-se com o motor, dizendo:
-Não posso te deixar aqui sem nada. Faça um lanchinho e ligue pra Pâmela te buscar. Diga que mandei lembranças.



Daquele fim de noite em diante, o ex-casal nunca mais foi o mesmo. Maria mudou-se, vendeu a casa e para o desespero dos pais, pegou o dinheiro para mochilar pela Europa, sonho antigo. Envolveu-se com alemães, ingleses, holandeses e espanhóis, até conhecer Marcello, o italiano que se casou em um cerimônia bem simples e bonita. Fez uma longa lista de todas as coisas que faltava fazer para  ser feliz, e cumpriu muitas delas. Posou nua para um artista de rua, escreveu um livro de contos eróticos, virou acompanhante de políticos numa casa noturna e até se arriscou na carreira de cantora de barzinhos na Suécia. Fez de tudo, em cinco anos de aventuras pela Europa. Quando conheceu Marcello, sentiu suas pernas tremerem como na vez em que assistiu um daqueles romances estúpidos dos sábados à noite sem Eduardo. Agradeceu baixinho à ele por ter sido um cafajeste. Graças à ele, ela descobriu que não era amor o que ela sentia por ele. Amor era amar a si mesma, antes de tudo. E depois disso, os amores surgem fácil, fácil....
E Eduardo, bem, quem se interessaria em saber o fim de Edu? Ninguém nunca parou para perguntar...



Ellen F.



quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

despir



Se eu aprendesse a me despir dos sonhos
que sentido teria a sua existência pra mim?
Você habita mais do que meu corpo,
dança em minha alma e me convida para um baile particular
você é a oferenda duvidosa que ornamento no altar
meu orixá pecador,
que dentro de mim se torna minha parte proibida
um receio com nome próprio
todo o amor do mundo é pequeno
diante do medo que tenho em te perder



Ellen F.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Comédia Romântica

o amor é uma prisão perpétua cuja sentença aceitei agradecendo
existem histórias rápidas, porém fulgazes, como a nossa
claro que você nem sabe que já temos uma
que me prendeu na lembrança do seu sorriso pilantra

nem você sabe que eu estou pensando em você
enquanto você de alguma forma inexplicável se flagrou pensando em mim

seria imperdoável da minha parte te esquecer
tendo em vista que só te vi uma vez
já chegando com todo gás, e gosto de solidão na boca

não que eu esteja pronta pra outra
na verdade eu nunca estou pronta pra nada
mas você me faz ter vontade de tentar novamente
tudo aquilo que as tentativas frustradas me fizeram parar um dia

enquanto você se embriaga em algum canto
eu assisto uma comédia romântica na sala
enxergando o seu rosto no do mocinho

te chamando pelo nome nos sonhos rápidos que a madrugada não faz lembrar no dia seguinte
só recordo a sensação chata de te ver no chuveiro,
no quarto, no quintal, na rua,
o dia inteiro

esperando o milagre do destino para outro encontro por acaso
que não faça parecer que a gente esperou tanto por isso
que me faça te dar um abraço curto e desinteressado
enquanto a alma sorri pelo acontecido



Ellen F.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

monólogo



minha tristeza não tem nome
mas se tivesse, a batizaria com o seu
confesso, é tudo nostalgia
passa como fumaça de cigarro
tiro incerto
ingratidão calada
puro teatro
vontade de pensar em você
quando não tenho mais nada pra pensar


Ellen F.



terça-feira, 2 de novembro de 2010

modo rua


Ele ouviu a vida inteira de todo mundo que seria apenas uma fase. Mas a fase cresceu, amadureceu, e ele fez a diferença!
Ser sempre o rebelde da família, o estranho do trampo, o genro indesejado e motivo de confusões a troco de nada eram detalhes normais para ele. Dudu se acostumou com os preconceitos desde que passou a se descobrir na ideologia punk. A paixão começou com uma galera nova, um galão de vinho e discos antigos, dentre eles The Clash, New York Dolls e Sex Pistols. Logo percebeu que haviam mais alguns como ele, diferentes do padrão.
Sua adolescência foi uma aberração à parte. Os primeiros visuais chocavam a todos e o colocavam em primeiro lugar no ranking das reuniões de família de Natal. Alargadores, moicanos de meio palmo, roupas rasgadas e cabelos de todas as cores devido à descolorações e tintas com materiais de origem suspeita. Colava com gente como ele, que não se importava em virar noites na rua e fazer malabarismos nas calçadas pra descolar a grana da birita.


Nos shows, só podia andar de grupo, pois as confusões eram muitas entre as galeras de outras vertentes. Dudu estava habituado a viver à margem da sociedade. Sua natureza era tranquila, mas o comum não lhe interessava. Curtia as bandas que poucos conheciam, frequentava locais vistos como "podres", lia obras de pensadores antigos, e vez ou outra se arriscava a discutir política. Não gostava da direita nem da esquerda. Achava que comunismo e socialismo eram apenas formas utópicas do ser humano pensar em comandar.
Seu pensamento libertário porém pé no chão lhe transformava numa espécie de anarquista moderno. Não julgava ninguém, tampouco se interessava em escutar críticas. Chegou ao ponto em que os preconceitos lhe entediavam ao extremo.

Não era respeitado nem desrespeitado como pessoa, mas mal visto de modo geral. Uma figura diferente, um estranho no ninho aonde quer que fosse, e toda a sua graça era essa. Vivia o modo rua com toda a intensidade. Via a família algumas vezes por semana para dormir numa cama quente e vez ou outra se divertir com a bronca ressentida dos pais. Só se envolvia com garotas punks, não por ter cabeça fechada, mas sim para manter sua busca de identidade própria. Sentia-se bem com pessoas como ele.
A verdade é que mesmo com o preconceito vindo dos outros, ele se divertia muito, seja pagando moshs nas rodas punks, se defendendo de brigas com grupos rivais ou pegando o metrô só pra chocar as pessoas. Não conseguia se imaginar de outra maneira, mesmo que muitos insistissem que esse 'lance punk' fosse apenas uma fase passageira.

Era um cara feliz. Se ele cresceu?
Sim, ele cresceu, se formou no ensino médio, conseguiu emprego de meio período e nas horas livres ensaiava na sua banda, na qual era baterista. Nunca precisou tirar um brinco para arrumar trabalho. Apesar do jeito aparentemente rude, era responsável e criativo. Com o tempo, conquistava espaço. Todos os finais de semana tinham shows marcados, até ficarem conhecidos como uma banda underground de respeito nos outros estados. Suas letras falavam exatamente do dia a dia na subcultura, da aversão das pessoas ao novo, ao diferente, ao subversivo. Escrevia verdadeiras poesias em forma de punk rock. Saiu de casa, começou a se virar sozinho, e aos poucos, a evoluir como ser humano sem perder sua verdadeira essência.


Então Dudu se viu com 30 anos, com uma barbicha safada que cultivou por mera preguiça, sentado em seu sofá de couro, no apartamento finalmente quitado, esperando a esposa terminar o jantar. Com orgulho, deu uma olhadinha da porta para o filhão, agora com 5 anos, dormindo feito anjo naquele quarto decorado com posteres dos Ramones e The Casualties. Sorriu feliz. Teve certeza de que a vida inteira soube ser ele mesmo, sem precisar forçar absolutamente nada, pois as coisas foram acontecendo. Grandes amigos sairam do movimento, mudaram de estado, ou simplesmente largaram o modo rua de viver. Ele não. Não era questão de ser melhor ou pior por isso, mas restava a sensação gostosa de que a busca por sua identidade não estava no fim. Ela estava mais viva do que nunca. Mas ele nunca precisou abrir mão dos sonhos. A banda ia bem, no trabalho estava estabilizado, seu casamento era uma maravilha.

Ligou o som baixinho para não acordar o filhote, encostou-se na janela, e de lá observou o caótico mundo de camelôs, trausentes, paradas de ônibus lotadas e cachorros com seus respectivos donos dominando as ruas. Lá entre os estudantes de cursinho, os casais apaixonados, os trabalhadores chegando cansados do serviço, lá longe, se aproximava um grupinho de quatro garotos esquisitos de cabelos esquisitos com baquetas, mochilas e sacolas com garrafas de cachaça, atravessando a rua. Dudu sorriu, como se estivesse revendo uma cena de quinze anos atrás. Sentiu-se feliz por haver diferença no mundo. Como seria chato se não houvesse oposição, se não houvesse gente careta, se não houvesse roqueiros, pagodeiros, clubbers e góticos por aí. Como era bom saber que ainda existiam os pequenos grupos, que não deixavam os estilos morrerem.
Apagou o cigarro sorrindo enquanto sua esposa o abraçava por trás. Sorriu satisfeito pois, apesar de tudo que viu, ouviu e sentiu na pele, era a prova viva de que a fase nunca passou!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

dose dupla

O amor é um golpe bem dado que às vezes erra feio seu alvo. Denise ficava, namorava e se envolvia com garotos de todo tipo desde seus 13 anos. Pela vida amorosa dela se passaram caras galinhas, certinhos, nerds, abobalhados e no pior dos casos, um vagabundo que cheirava thinner com a meia da sorte.
Até se apaixonou por eles, chorou por motivos fulos e pensou em se casar com o que durou mais tempo. Mas sentia que algo faltava. Algo sempre faltava.

Talvez tivesse alguma coisa estranha com ela, pois de todos seus romances, nunca nenhum foi bom o suficiente para fazê-la feliz do início ao fim. Era como se todos já possuíssem uma data de validade vencida antes do prazo. Denise se achava a criatura mais normal do mundo, confusa e indecisa assim como todas as outras garotas de 20 anos, até conhecer Aline  na faculdade. Faziam o mesmo curso. Aline era o melhor exemplo do estilo hiponga moderno. Cabelo na cintura, pouca maquiagem, sandália rasteira, olhar de menina e uma beleza inconfundível. Enquanto todas as outras garotas da faculdade pareciam mais competir entre si num concurso de moda imaginário do que necessariamente estudar, Aline fazia a diferença. As duas simpatizaram uma com a outra de primeira.

Não demorou para que Denise, envolvida na nova amizade que surgia com a doce hiponga, passasse a descobrir em si mesma uma novidade pela qual nunca havia se perguntado antes. Começaram a sair juntas, estudar juntas no tempo livre, tomar café na livraria e arriscar tardes de violão e MPB na casa uma da outra. Denise ficou diferente. Estava mais feliz, não se pegava perguntando a si mesma qual a razão de sua carência. Não sentia mais crises de solidão, nem vontade de sair pra caçar na balada, conhecer gatinhos ou derivados. Seu tempo, involuntariamente, passou a girar em torno de Aline. Quando saiam, não ficavam com ninguém. Só se olhavam, sorriam, bebiam, e a noite sempre terminava em um abraço apertado. Logo Denise descobriu o pequeno detalhe de que estava sentindo ciúmes da amiga. Logo Denise se flagrou pensando na amiga todas as noites antes de dormir. Logo Denise percebeu que só ia deitar após a ligação de "Boa Noite" com a amiga. Logo Denise parou de negar a si mesma o que já era óbvio demais.

As coisas passaram a desencadear mais rápido do que o imaginado. Em julho, noite de seu aniversário, comemorado em um pub no centro, Denise bebeu mais do que o planejado. Usava um vestido tubinho preto e uma maquiagem que borrou após as primeiras doses de tequila. Não tirava os olhos de Aline, e não conseguia disfarçar, ela estava deslumbrante com a saia cigana e a blusa tomara que caia azul bebê. Após a virada coletiva de copos, saiu da linha e se aproximou mais de si mesma do que pensou que fosse capaz.
Olhou para a amiga e se imaginou aos beijos com ela. Não se contentava em apenas beijos, sua vontade era de morder cada pedacinho dela. Esse súbito desejo, beirando a necessidade, a fez se aproximar sem pedir licença, e em questão de segundos, tascou um longo e esperado beijo em Aline. O resto da turma ficou sem reação, tudo aquilo depois de um humilde 'Parabéns pra você' era emoção demais para um grupo de estudantes de Engenharia.

Aline retribuiu o beijo com toda sua força. Era como se ambas estivessem esperando por aquele momento desde o dia em que se conheceram. Após o ato, se entreolharam com os rostos colados, um sorriso de felicidade mútuo. Pediram dose dupla de tequila. Ali começara uma história sem fim.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Poeira Estelar

Eu sinto falta do seu gosto de cigarro na boca. Do seu perfume felino, doce e seco, tal como seu sorriso e os seus arranhões. Da fúria que tomava conta dos nossos espíritos assim que se encontraram. Mais pareciam dois amantes separados pelo Destino.
Sinto saudade das idiotices que você me dizia. Dos nossos passeios sem destino pelos corredores do Conic. Das nossas danças reservadas e proibidas.  Sinto falta de tudo que um dia me fez encher o saco de você. Ainda admiro sua tremenda apatia à vida. Da sua aversão à felicidade, e aquele mau humor gostoso de aturar. Gosto do nosso entorpecer sem necessidade de entorpecentes, das nossas brigas a troco de nada e um copo de vodka pra acalmar. Gosto do nosso futuro incógnito, e o preço que estávamos dispostas a pagar por ele.
Aprecio nosso passado tão marcado por momentos fulos, como nossa imagem na cama, duas damas rebeldes como cães de rua.
Fúria indomável e atrapalhada. Fúria nas TPMs que andavam de mãos dadas como nós. Relembro com prazer de sua selvageria anunciada em palavras bonitas, poemas sem nome. Um rastro de poeira estelar nos seus olhos, e no sabor do último beijo. Fúria no seu olhar de ditadora, que falava mais do que todas as palavras do mundo inteiro. Fúria de declarações sinceras, e brigas mais sinceras ainda. Enfim, um milagre bizarro da mãe natureza. Duas mulheres apaixonadas.




Ellen F.

Quem sou eu

Minha foto
Sobe e desce, oscilação de Gêmeos com ascendente em Gêmeos.

Arquivo /aultimadobar